

SOBRE A PRORROGAÇÃO DO PAGAMENTO DE TRIBUTOS FEDERAIS E ESTADUAIS – COVID-19
A Obrigação de Pagar Tributo em Tempo de Pandemia
No dia 20 de março de 2020, entrou em vigor o Decreto Legislativo nº 6 de 2020[1], que instituiu o estado de calamidade pública no país, em razão da pandemia gerada pelo novo coronavírus. Em seguida, Estados e Municípios em todo país também vêm reconhecendo e decretando estado de calamidade pública.
Desde que começou a ser proliferado no país, o COVID-19 tem exigido a adoção de uma série de medidas para a contenção das consequências geradas pela pandemia.
Uma delas é a relativização das metas fiscais, possibilitadas pela decretação do estado de calamidade, a qual permite maior flexibilidade ao Governo Federal na destinação das verbas para a adoção de medidas de enfrentamento à crise econômica.
Nesta senda, uma das ações possíveis ao Governo Federal por ocasião do decreto é a prorrogação das obrigações tributárias.
Como é de conhecimento de todos, as empresas, notadamente aquelas que tiveram suas atividades completamente paralisadas, têm sido drasticamente afetadas pela crise econômica gerada pela interrupção abrupta das suas atividades produtivas.
Se não bastasse o desafio diante da abrupta redução no faturamento das empresas, estas ainda precisam adimplir suas obrigações com credores, pagar o salário dos funcionários e, sobretudo, estar em dia com as suas obrigações tributárias. No Brasil, a carga tributária consome uma grande fatia do faturamento das empresas.
Com o Decreto Legislativo nº 6/2020, surgiu a discussão a respeito da aplicabilidade da Portaria n°12 de 2012[2] do Ministério da Economia, que prevê a prorrogação do prazo de pagamento de tributos federais para a empresas estabelecidas em municípios que decretem o estado de calamidade pública.
É certo que, no atual cenário das empresas espalhadas por todo o país, a possibilidade de prorrogação de tais tributos seria um verdadeiro alívio ao momento difícil vivido por elas.
Ressalta-se que muitas dessas empresas deixarão de recolher os seus tributos de qualquer forma, pois a ordem de prioridade de gastos coloca a folha de salários em primeiro lugar, seguida de custos com fornecedores, parceiros, locadores etc. A medida, no entanto, possibilitaria o afastamento de juros e multas, que podem variar entre 20% e 70% do tributo devido.
Algumas empresas já começaram a pedir liminares na justiça a fim de prorrogar por 03 meses (prazo previsto na portaria) o pagamento de tributos federais, ante o impacto da pandemia em seus negócios.
A primeira liminar em mandado de segurança foi concedida pela 21ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal. Após a crescente quanto ao número de ações judiciais nesse sentido, e o apelo da classe empresarial, o Governo Federal resolveu conceder a prorrogação de alguns tributos federais (contribuição sobre a folha de salários, PIS e COFINS), deixando de fora o IRPJ e a CSLL.
Na fundamentação, o juiz que atuou no processo mencionado acima se utilizou, por analogia, da Teoria do Fato do Príncipe, teoria originariamente usada no direito administrativo, determinando, ainda, a aplicação para tributos estaduais e municipais.
O fato do príncipe se caracteriza em toda determinação estatal, imprevista e imprevisível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo[3]. Tal oneração obriga o Poder Público contratante a restituir integralmente os prejuízos suportados pela parte prejudicada. A essência da teoria é a proteção ao particular onerado por atos do Poder Público.
Desse modo, a aplicação da lógica do fato do príncipe no âmbito do direito tributário se justifica na medida em que as ações que vêm sendo adotadas pelo Poder Público, proibindo o funcionamento de estabelecimentos, tem onerado demasiadamente as empresas que precisam necessariamente desenvolver suas atividades com as portas abertas.
Frisa-se que, em momentos de crise, não há que se falar em soluções perfeitas, sejam elas econômicas, sociais ou jurídicas. De modo que merecem ser prestigiadas as ações eficazes que possam ao menos minimizar os efeitos gerados pela situação que ocasionou a crise.
Considerando que a prorrogação dos tributos federais se deu com base na própria atuação do Governo, determinando o fechamento do comércio, nada impede que o entendimento seja estendido aos tributos estaduais. Nesse ponto, é importante mencionar que o não pagamento de ICMS, ainda que declarado, foi considerado conduta criminosa pelo STF em dezembro de 2019.
O entendimento do Judiciário visa a preservação das empresas e dos empregos, garantindo a subsistência dos contribuintes até o início da retomada da economia. A manutenção dos empregos garante o consumo, e garantir o consumo é garantir a própria tributação e manutenção do Estado.
CARLOS ANGÉLICO CAMPOS DE LIMA FILHO
Advogado Sócio
LARYSSA RIBEIRO RODRIGUES
Estagiária
[1] Decreto Legislativo 6/2020. Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm.
[2] Portaria nº 12/2012 do Ministério da Economia. Acesso em: http://www.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/portarias-ministeriais/2012/portaria12
[3]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editora, 2015, pág. 270.