

#ARTIGO – AS IMPLICAÇÕES DA CRISE GERADAS PELO COVID-19 AOS CONTRATOS
A pandemia causada pelo Covid-19 já tem surtido diversos efeitos econômicos negativos, decorrentes, principalmente, pela determinação de isolamento domiciliar para evitar calamidade no sistema de saúde pública.
Apesar da referida medida consistir em mecanismo eficaz para a redução da transmissão do vírus, por outro lado, causa diversos prejuízos aos brasileiros, pois a determinação de suspensão de aulas, fechamentos de bares, restaurantes, comércios e cancelamento de eventos vem ensejando grandes prejuízos econômicos. Isso porque: I) as empresas deixaram de auferir faturamento suficiente para arcar com todos os custos inerentes as atividades empresariais, e, assim, terão que reduzir o quadro de funcionários; e II) há atividades profissionais que não podem ser realizadas por meio de home office/acesso remoto, havendo, portanto, verdadeiro impedimento no exercício de diversas funções.
Nesse cenário de incertezas, no qual o governo e a população não sabem ao certo quando as atividades poderão voltar a ser “normalmente” exercidas, surge a necessidade de repensarmos os negócios e contratos firmados.
Com a crise econômica instaurada, ficará mais difícil para as partes cumprirem os contratos nos moldes previamente estabelecidos, e eis aí que surgem diversas consequências como o inadimplemento contratual, incidência de juros, multa etc.
Sucede que existe importante mecanismo no direito civil que detém plena aplicabilidade na situação de caos em que o País está vivenciando, a chamada teoria da imprevisão.
A Teoria da Imprevisão está prevista no artigos 478, 479 e 480 do Código Civil e consiste no reconhecimento de que a ocorrência de fatos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, no caso o Covid-19, que geram impactos na base econômica ou na execução do contrato, permitam a resolução ou revisão contratual, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.
Dessa forma, nota-se que a Teoria da Imprevisão é decorrente do princípio da boa-fé objetiva, na medida que tem como escopo alcançar o objetivo previsto originalmente no contrato, nas condições e forma que esse for pactuado, evitando assim que ocorra uma onerosidade excessiva para qualquer dos contratantes.
Os elementos necessários para a aplicabilidade da teoria da imprevisão consistem:
- a) superveniência de circunstância extraordinária e imprevisível – no caso, a pandemia do Covid-19;
- b) alteração da base econômica objetiva do contrato
- c) onerosidade excessiva
Por conseguinte, caso um dos contratantes verifique a incidência dos elementos supracitados, esse poderá requerer a revisão do contrato, com base no art. 479 e 480 do Código Civil, ou poderá pedir a resolução do contrato.
A título de exemplo, pode-se aplicar a teoria da imprevisão para a revisão dos contratos de fornecimento de mercadoria, onde uma das partes está obrigada a adquirir no mínimo uma quantia X de produtos por mês e, em razão da ocorrência de fato imprevisível, não possui mais condições de adquirir todos os produtos, uma vez não estar auferindo receita em detrimento da ordem do estado de fechamento do comércio.
Nesse sentido, a Teoria da Imprevisão, no contexto de crise econômica já experimentada por nosso país, consiste em alternativa de grande valia principalmente para que empresas/empresários não precisem fechar suas portas, mantendo o funcionamento da operação.
Outro dispositivo do Código Civil que também será útil nesses momentos de crise é o art. 393 que prevê hipótese de excludente de responsabilidade do devedor, em razão da ocorrência de caso fortuito ou força maior.
O caso fortuito ou força maior consistem em situações extraordinárias, não previsíveis, que podem causar a impossibilidade do cumprimento das obrigações contratuais. A distinção entre caso fortuito e força maior é muito discutida pela doutrina, muitos entendem que o primeiro está ligado a fatos imprevisíveis e inevitáveis decorrentes de uma conduta humana, e o segundo referente a fenômenos naturais imprevisíveis.
Nessa análise, vamos nos conter a constatar que a pandemia de Covid-19 poderia se enquadrar nos dois conceitos e, portanto, dependendo do tipo de contrato/obrigação, a crise causada pela pandemia enseja a aplicação do art. 393 do Código Civil.
E quais seriam as consequências da incidência do referido dispositivo legal?
A principal consequência se consubstanciaria na exclusão da responsabilidade do contratante/contratado pelo inadimplemento da obrigação. Ou seja, aquele que descumprir o contrato em virtude de caso ou força maior, não deverá responder pelos prejuízos (juros, atualização monetária etc.).
Mas deve-se deixar claro que para ser excluída a responsabilidade pelo inadimplemento o instrumento negocial não pode ter estabelecido cláusula de responsabilidade nas hipóteses de ocorrência de caso fortuito ou força maior, e que o descumprimento da obrigação somente se deu em razão da situação inevitável e imprevisível.
Um exemplo para a aplicação do referido dispositivo diz respeito aos contratos imobiliários já firmados, com prazos para adimplemento e para a término das obras cíveis.
Nesse caso, se a pandemia ocorreu durante o prazo para a entrega das obras e causou dificuldades para a continuidade e conclusão no prazo previamente estabelecido, nada mais justo que as construtoras não arcarem com juros de mora e multas por atraso, visto que não teria concluído a obra no prazo em razão de fato imprevisível, fora de seu controle.
Noutro giro, importante mencionar o princípio da exceção de contrato não cumprido, previsto pelos artigos 476 e 477 do Código Civil, que consiste em alternativa para o contratante quando percebe que a outra parte não terá condições de cumprir o que fora acordado.
Nessa hipótese, aquele que tem cumprido a obrigação, pode parar de executar sua parte do contrato se for verificado que o outro não está executando suas obrigações ou não terá condições de exercer, mitigando, portanto, os prejuízos oriundos do respectivo contrato.
Diante de tantas alternativas jurídicas para modificar ou extinguir os contratos, aconselha-se, em um primeiro momento, que as partes tentem chegar a um consenso sem necessitar de recorrerem à justiça.
Mas, se a via do acordo for infrutífera, verifica-se haver fundamento legal para a discussão das obrigações contratuais, a fim de reduzir o impacto decorrente do atual momento, retomar o equilíbrio contratual exigido entre as partes e preservar o funcionamento das atividades empresariais.